Por ORM
Publicado em 05 de novembro de 2018 às 11:34H
Longa “O Animal Cordial” tem últimas exibições no Cine Líbero Luxardo.
Divulgação
Há um terror brasileiro que está ganhando o mundo. As Boas Maneiras, da dupla Juliana Rojas/Marco Dutra, ganhou páginas – e páginas – da prestigiada Cahiers du Cinéma. Morto Não Fala, de Dennison Ramalho, com Daniel de Oliveira como o homem que, contrariando o título, conversa com mortos, está tendo ótima aceitação em festivais internacionais. E, tem suas últimas exibições no Cine Líbero Luxardo, até o dia 7, às 16h, O Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida. Não se iluda com o título. A sangrenta ficção da diretora é sob medida para desmentir a tese da cordialidade brasileira (e humana, em geral). O homem é um bicho tinhoso. Deem-lhe um revólver e ele sai atirando. Um facão e sai despedaçando.
Um restaurante, o dono, a atendente, um cliente solitário, um casal de metidos, o povo da cozinha – e assaltantes. Eles chegam ameaçando deflagrar uma onda de violência, mas são devorados por ela. Vira, de alguma forma, uma disputa de poder. Homens contra mulheres, uma certa ideia de masculino (Inácio, o personagem de Murilo Benício), uma certa ideia de feminino (Sara, Luciana Paes) e Djair, o chef, o cozinheiro gay, Irandhir Santos, que concentra os dois, masculino e feminino. Prepare-se para o banho de sangue, mas a diretora faz uma observação surpreendente, curiosa até. “É um filme de amor”. Como, se todo mundo fica se matando lá dentro? “Nem todo mundo. Você veja que num terror tradicional, o povo da cozinha seria o primeiro a ser sacrificado. Poupamos, conscientemente, negros e nordestinos. E se há um conflito de gênero, de poder, é gerado pela solidão, pela falta de amor. Sara, a garçonete, é exemplar. É o eixo principal do filme. Djair e ela. Mesmo com risco de spoiler, o desfecho dos dois carrega a alma do filme. Mesmo com todo aquele morticínio, não creio que seja um filme pessimista”.
Gabriela frequentou o laboratório do Sundance em 2014. Antes disso, já se impregnara do cinema de gênero, que é o seu preferido e ela já exercitava nos curtas. Exercita no próximo longa, “A Sombra do Pai”, com Júlio Machado e Nina Medeiros. Uma menina evoca o espírito da mãe que morreu para tentar fazer com que o pai, um pedreiro deprimido, reaprenda a viver. Não é um filme de morto-vivo, adverte a diretora. Há um terror brasileiro? Gabriela está tão jogada nesse caldeirão que não tem distanciamento para avaliar. “Talvez no futuro seja possível fazer isso”. Mas ela sabe que, se os códigos de gênero – a construção do clima, da atmosfera que gera o medo – vem do cinema estrangeiro (Hollywood?), os personagens são brasileiros. O Brasil cabe naquele restaurante assaltado pelo terror e pelo medo.
É um pouco o que diz Rodrigo Teixeira, que produz O Animal Cordial – e produziu o terror norte-americano The Witch/A Bruxa, que tanta sensação fez em Sundance. “Em comparação a outros gêneros, sinto que a nossa produção de terror ainda precisa amadurecer. Digo isso, porque acho importante, como uma cinematografia nacional, buscarmos nossa autenticidade em relação a um gênero. É isso que nos dá destaque, e também faz despertar o interesse no público. Temos exemplos recentes, e fico animado, com filmes que têm surgido e que trabalham o gênero terror e suspense com questões que são nossas, trabalhando com as referências e as chaves próprias do gênero, mas sem obrigatoriamente mimetizar o que vem de fora”. E Teixeira ressalta – “O terror também requer uma grande sofisticação por parte do diretor, o desafia a ter um roteiro engenhoso, sofisticado para convencer o público e tornar-se relevante. E acho que temos muitos talentos que estão aí e que conhecem o gênero a fundo e têm formação para trabalhar esses aspectos.”
O Animal Cordial nasceu de uma proposta de Rodrigo Teixeira – a de que Gabriela filmasse seu roteiro em 21 dias. Ela fez uma contraproposta pouco usual, mas perfeitamente viável, considerando que o filme se passa num só ambiente, o restaurante construído em estúdio (uma casa que foi adaptada para as necessidades da produção). Gabriela resolveu filmar cronologicamente, Teixeira aceitou. “Ele é um produtor muito criativo e compreende as necessidades da direção”, diz Gabriela. Dessa forma, a construção e desconstrução psicológica dos personagens ficou mais consistente (e foi facilitada) para o elenco.
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